Cordelizando em São João – PE
Um contributo da
cultura popular na transversalidade multidisciplinar na educação
É um instrumento educativo que objetiva popularizar o saber sistematizado utilizando-se de uma
metodologia lúdica e com toda profundidade científica possível, uma forma
chamativa pela agradabilidade do pesquisador/leitor. A literatura de cordel
está associada à cultura dos mouros trazidos da Europa nas chamadas descobertas
do novo mundo no século XVI, era uma forma de contar encantos mitológicos e
fatos históricos através da arte da rima em versos acompanhados por
instrumentais como a viola de cordas duplas para trovar, os pandeiros para
ritmar o coco, as palmas e o pisoteado nas cantigas de rodas ou simplesmente o
recital a voz alta para chamar a atenção dos demais do recinto geralmente
analfabetos.
Antes do
invento da televisão muitas histórias eram contadas nessa modalidade de
literatura entre os de pouca leitura e semianalfabetos do nordeste brasileiro, estes
criavam histórias ou adquiriam os folhetos que narravam contos de príncipes e princesas encantadas, contos de
assombração, de heróis vencedores, de valentões do povo, de romances proibidos,
pragas de maldição, lutas do bem contra o mal, etc.
ESTRUTURA LITERÁRIA DO CORDEL
A
estrutura da literatura de cordel ou poesia matuta é muita rica em sua
diversificação em formas de versos que se organizam em rimas seguidas ou
alternadas, compondo um conjunto literário de mais de trinta tipos de harmonia
literal com uma única característica que é a rima, pode falar em estilo a
dupla, quadra, cinco versos, sextilha, sete versos ou sete pés, a oitava, a décima,
etc. em vários ritmos musicais, as toadas e aboios dos vaqueiros, os coquistas
ou cantador de embolada com seus pandeiros, os repentistas violeiros com
variados repertórios de sextilhas, motes, moirão, martelos, galopes, quadrões,
a gemedeira, entre outros. Vamos exemplificar alguns mais usados.
Exemplo de dupla ou dois versos:
Menina quando me
beijas, fico todo arrepiado
Eu quero que tu me
queira, quero ficar a teu lado
Exemplo de quadra, muito usada principalmente por iniciantes
e nos improvisos das cantigas de roda, como o siriri por exemplo.
“O anel que tu me
deste
Era fraco e se quebrou
O amor que tu me
tinhas
Era pouco e se acabou”
Eu danço no meio da
roda
Só para me divertir
O nome de quem paquero
Começa com a letra I
Vou entrando nessa
dança
E tirando meu chinelo
Pra namorar a menina
Que tem cabelo amarelo
Obrigado meu amigo
Eu te acho muito belo
Mas, já sou
comprometida
Por isso que não te
quero
E o refrão típico em sete pés:
Ou siriri, ou meu bem,
ou siriá
Tomaram meu amor
Me deixaram sem
amar...
Eu agora arrumei outro
Quero ver você tomar
Eu tomo, eu tomo, eu
tomo
Só se você não deixar.
A Sextilha é um tipo de
composição a mais usada no cordel de nossos dias, os versos impares são soltos
e os pares rimam entre si, ou rima primeira com
a segunda e a quarta com a quita e a terceira com a sexta, típico de viola simples cearense.
Exemplo 1.
Sou professor de História
E também sou cordelista
Conto as coisas acontecidas
Que deixaram alguma pista
Interpreto cada fato
Com o meu ponto de vista
Exemplo 2.
Os portugueses quando para cá vieram
Muita desgraça trouxeram
Pra quem nessa terra mora
Foram chegando e fazendo logo a guerra
Tomando conta da terra
Botando os índios pra fora
(Germano Maia, Limoeiro do Norte – CE)
A sete versos
ou sete pés, do inicio do século passado, estilo de um cantador alagoano é uma
elaboração que requer um pouco mais de requinte, apenas ficam soltas a primeira
e terceira frase/linha a segunda e a quarta rimam com a sétima e a quinta e
sexta rimam entre si, é como se o acabamento final fosse mais polido.
Exemplo:
Uma obra de arte
Depende de
arquitetura
Uma coisa bem pensada
Ganha corpo e formosura
Eu capricho e não
erro
Com o ferro amarro o
ferro
Reforçando a
estrutura
A décima é a estrutura mais complexa do cordel, requer
uma arrumação bem detalhada em dez versos/linhas totalmente entrelaçadas em
rimas, são as trovas cantadas pelos violeiros, argumentos bem elaborados com
rimas pausadas e complementares.
Exemplo:
Minha galinha pedrês
Do brejo da bananeira
Num dia de
sexta-feira
Pôs vinte ovos de uma
vez
No dia vinte do mês
Deitei eles com
cuidado
Se não tivessem
gorado
Me davam um bom
paládio
Só tinha um ovo sadio
Nasceu um pinto pelado
*(autor desconhecido,
provavelmente trovadores da região do brejo paraibano)
APLICAÇÃO DO CORDEL
NA TRANSVERSALIDADE MULTIDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO
A
literatura de cordel é uma ferramenta atrativa e chamativa, pois discorre temas
transversais de forma lúdica. Pode ser aplicada em linguagens e seus códigos
principalmente para trabalhar a língua culta e o regionalismo, a necessidade da
riqueza do amplo vocabulário na confecção da rima. As temáticas do cordel se
baseiam em um dado que tem uma relevância real ou imaginária muito propicia
para se trabalhar na área das humanas, ver a referência geográfica, a situação
histórica e social, a conotação ideológica, a concepção filosófica e o que é de
mais humano a emoção e o trato psicológico do autor, do leitor e do ouvidor das
histórias narradas em cordel. É um importante resgate a cultura popular,
inclusive obras abundantes que retratam a história e os anseios subjetivos do
povo são copiadas de cordelistas analfabetos ou pouco letrados que vivem da
rima do mato, as cantigas de coco, os aboios de vaqueiros, as trovas do
violeiro, os versos do siriri e pastoril, em fim a riqueza que faz ser o que
somos, nossa tradição cultural que nos identifica como raça, povo, gente
diferenciada.
'Minha galinha pedrês, do Brejo das BAnaneiras...", o autor é João Ferreira de Lima (1902-1973), cordelista pernambucano.
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